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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Outro Homem

Conto de Margarete Solange


Recomendo aos maridos que não leiam este conto para não correrem o risco de descobrir que existe um outro homem na vida de suas mulheres. Até pensei em intitulá-lo: “Proibido para Homens”; no entanto, se fizesse isso, a coisa seria muito pior, pois aguçaria ainda mais a curiosidade masculina. Bom, se teimarem em lê-lo, espero que não resolvam dar a revanche, uma vez que, se o fizerem, nós mulheres estaremos em maus lençóis. Com certeza nos lançariam em rosto algo como as palavras bíblicas que dizem que não se deve apontar o argueiro dos olhos nos outros, quando uma enorme trave nos impede de enxergar com nitidez.
            Esta narrativa baseia-se na mistura da conversa de várias mulheres que, juntas num feriado prolongado, observavam os seus maridos jogando futebol na beira da praia, ao mesmo tempo em que comentavam sobre o quanto as coisas haviam mudado desde os primeiros tempos de casadas até o presente.
Veio-me a ideia de juntar tudo numa história só. É divertido exagerar uma vez ou outra. Aprontei o conto numa única noite enquanto, pacientemente, aguardava a chegada do sono. No dia seguinte, achando que tivera uma brilhante ideia, fui lê-lo para o meu marido ouvir. Resultado: ele detestou. Disse-me todo ressentido:
– Todo mundo vai pensar que a narradora desse conto é você e que o marido sou eu.
Com uma falsa ingenuidade indaguei:
– Será?
A verdade é que os leitores sempre acreditam que o eu-narrador e o autor são a mesma pessoa. Fazer o quê? Afinal, escrever usando a primeira pessoa torna a narrativa muito mais convincente. Acontece também que, algumas vezes, a história é realmente autobiográfica. E mesmo que não seja, creio que há sempre um pouco do autor presente na trama e nos personagens...
Bom, agora sem mais rodeios, vamos ao conto.
Era tarde. Todos na casa dormiam. Do lado de fora, o vento forte açoitava os coqueiros, trazia aos meus ouvidos o envolvente barulho do mar. O meu marido, ao meu lado, roncava alto. Isso não me incomodava nem um pouco. Acho até que devo roncar também. Não tenho certeza, porque nunca me observei dormindo e, pelo menos sobre isso, ele jamais se queixou. Talvez até porque sempre adormece antes de mim.
Sentei-me na cama e acendi a lanterna com cuidado, para não perturbá-lo. No instante em que acidentalmente a luz focou-lhe o rosto, pus-me a observá-lo atentamente.
– Céus! Não foi com este homem que me casei! – concluí surpresa. – O que este homem está fazendo deitado em minha cama vestindo o pijama do meu marido?
Os poucos cabelos que lhe restavam estavam bem curtos e bastante grisalhos. Além disso, não usava bigode. O meu marido sempre usou bigode. Essa particularidade dava-lhe um ar mais sério, másculo, enfim, um charme a mais.
Instantaneamente passei a relembrar cenas dos últimos anos. Tudo ficou bem confuso em minha mente. Afinal, quem era aquele estranho que lentamente foi assumindo o lugar do meu marido?
Quando casamos, ele gostava de minha companhia. Era terno, compreensivo. Dividia comigo certas tarefas domésticas só para não me ver presa na cozinha por muito tempo. Contava piadas engraçadas para me fazer rir e sempre comentava comigo assuntos do seu dia a dia de trabalho.
Lembro-me que, nos últimos dias, o estranho queixava-se de que eu não era a mesma com ele. Dizia que eu parecia não amá-lo mais. Agora entendo: era a estranheza de beijar um outro homem. O homem com quem casei era bem diferente. Eu sabia que algo estava errado, eu sentia isso; no entanto, não conseguia compreender a essência do problema. Todavia, no momento em que a luz da lanterna focou o rosto desse homem sem bigode, tudo ficou tão obvio.
As vozes dos dois até parecem iguais, se bem que, a do estranho que está ocupando o lugar do meu marido é um tanto irritadiça. Se algo não está indo bem, ele argumenta, até me convencer, que fui eu quem falhou em algum ponto, que sou responsável direta ou indiretamente por aquilo que deu errado. Consciente ou inconscientemente, ele procura fazer essa transferência de culpa. Tentei muitas vezes alertá-lo sobre isso, porém é quase impossível convencê-lo de seus erros.
Por que pedir desculpas é tarefa tão difícil para os homens? Com o passar do tempo, eles não nos elogiam, tampouco nos agradecem mais; somente cobram, como se tivéssemos para com eles uma eterna dívida. Mil piadinhas são feitas em defesa da classe masculina, ridicularizando as mulheres casadas: falamos demais, reclamamos demais, somos chatas, feias, desajeitadas etc, etc, etc. A responsabilidade de criar filhos quase sempre pesa somente sobre nossos ombros, enquanto os pobrezinhos carentes têm necessidade de consolar-se nos braços de uma outra qualquer. E nós não temos também necessidade de ser amadas, admiradas e compreendidas?
Durante anos e anos eu sempre achei que ele tinha razão: era eu quem precisava mudar para vivermos melhor; era eu quem estava distante dos padrões de mulher virtuosa. Ultimamente entramos em atrito por qualquer bobagem, mas no início não era assim. Encaixávamos tão bem nossos sentimentos, que eram uma combinação de amor, respeito, admiração e amizade. A verdade é que a harmonia do casamento depende muitíssimo das duas metades, o respeito e companheirismo entre marido e mulher são fundamentais para uma união saudável e duradoura. Não sei por que sentimentos tão agradáveis perderam o brilho, a cor e a fragrância.
Procuro lembrar, mas não sei ao certo dizer, quando foi que esse homem começou a dividir comigo a mesma cama. E o homem com quem casei, onde está? Refiro-me àquele que me olhava com olhos apaixonados, que fazia o meu coração acelerar sempre que gentilmente segurava minha mão e aproximava seus lábios dos meus.
Agora estou eu ao lado de outro homem: mais velho, gordo, barrigudo, meio careca e de cabelos brancos. Aprecio homens maduros, e quanto aos cabelos grisalhos até os considero um charme masculino; quanto à barriga, essa também não me causa espanto. Enfim, nenhuma dessas coisas me incomodaria se interiormente ele fosse igual ao homem com quem casei há anos.
Não sei explicar como isso aconteceu. O que sei é que nesse momento um outro homem está no lugar do meu marido, usando seus pijamas.
E agora, o que faço? Sei que, para alguns, essa troca pode até passar despercebida, mas para mim ela é tão nítida. O meu marido tinha bigode, não usava óculos e tinha um jeito terno de me tratar. Como amantes, nos entendíamos muito bem. Todavia, não era só como amante que ele me queria. Éramos amigos, conversávamos sobre todo e qualquer assunto. Apreciávamos realmente a companhia um do outro. Quando saíamos às compras, andávamos lado a lado. Eu apressava um pouco o meu passo, e ele retardava o seu. Fazíamos tantos planos juntos! Certas situações embaraçosas até nos divertiam. Comemorávamos juntos nossas conquistas e refazíamos nossos planos, buscando aprender com nossos fracassos. Acertamos e erramos juntos tantas vezes! Por que será que esse meu marido se foi e deixou outro em seu lugar?
Faz algum tempo que me levantei, uns trinta minutos, talvez. Peguei o meu bloquinho de anotações, lápis e, com auxílio de minha eficaz lanterna, estou escrevendo as palavras que você está lendo agora. Precisava escrevê-las, afinal, é madrugada e não tenho, no momento, com quem desabafar sobre essa questão. As amigas com quem conversava na tarde de ontem se foram com os seus maridos antes do anoitecer.
Repentinamente me veio à cabeça uma ideia meio tonta: e se amanhã eu telefonar para as minhas amigas e todas elas me confidenciarem que essa mesma coisa aconteceu com elas? Que descobriram assim, de repente, que seus maridos também foram trocados por outros bem diferentes dos originais? 
Neste instante, ouvi um ronco comprido e alto. Voltei-me feliz em direção ao leito de casal de nossa casa de praia. Senti-me contente porque reconhecia muito bem aquela maneira desastrada de roncar. Acreditei que provinha do homem com quem casei. Repousei os olhos sobre o estranho que dormia profundamente. Exteriormente, até se parecia em algumas coisas com o meu marido; contudo, apesar das semelhanças, não era o mesmo. A esse novo homem, que dorme aconchegado sob nossos lençóis, faltam ouvidos e tempo para me escutar. Falta romantismo, e sobram queixas e teimosias. O roncado que eu ouço é o mesmo, mas o olhar apaixonado do antigo, esse novo homem não consegue imitar. E eu não sei o que fazer para trazer de volta o outro homem – o homem que eu amava.



Fonte: Margarete Solange.
Ninguém é Feliz sem Problemas.
Fundação Vingt-un Rosado, 2009.
.
Obra premiada no concurso literário
escritor Norte-riograndense:
Projeto Rota Batida III.
Fundação Mossoroense
*       *       *

14 comentários:

  1. É bárbaro mesmo,já o li várias vezes no livro "Ninguém é Feliz sem Problemas",Porém cada vez que leio morro de rir,o homem descrito é muito parecido com alguém que conheço ñ fisicamente,suas atitudes sim. Q/ cabeça maravilhosa da escritora Margarete,Acho q/ toda mulher já pensou assim,eu já...Bem bolado este conto,acho q/ os homens devem ler sim,só assim eles procurarão ser o mesmo homem sempre p/ gente ñ ficar buscando-o sem saber onde o cabra foi parar.Desculpa tá marido de Marina Bravia.Amo este conto.

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  2. kkkkkkkkkkkk a crônica de Fernando Veríssimo é hilária e o conto da autora é bem realista, ainda bem que estou casada com o mesmo homem desde o começo.

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  3. Legal demais o conto. Seria bom que Fernando Veríssimo tbm pudesse le-la. Espero qundo casar meu marido seja o mesmo sempre!

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  4. È bem egal essa resposta ao Fernando, adorei Margareth e suas palavras otimas e engraçadas...
    Quero ler Ninguem é feliz sem problemas...Como eu faço?

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  5. Olá, Raquelzinha, vamos entrar em contato para a gente combinar sobre o livro Ninguém é Feliz sem Problemas, ok? preciso saber como posso te encontrar.

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  6. já li esse conto uma vez e achei magnífico. Realmente se encaixa bem com nossa realidade, seria bom que os maridos lessem, pra voltar atrás e ser como eram antes. Fazer uma analise e voltar a ajudar a gente. E deixar de fazer piadinhas com a gente. Vamos fazer também piadinhas com eles. kkkkkkkkkkkkkkk

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  7. O artigo do Veríssimo, na minha opinião, é apenas uma caricaturara do lado exigente, falador, consumista etc., das mulheres. É claro que ele poderia ter falado das qualidades: batalhadora, amável, preocupada com a família etc, etc. Creio que escreveu isso só pra descontrair. Quanto ao conto o outro homem, concordo que quando se tem mais de 20 anos de casados, em algumas ocasiões, podem passar desabercebidos alguns detalhes que antes eram devidamente observados. Mas não acho que a transformação chega a tanto. É que com o passar do tempo, parece que damos mais atenção aos defeitos do que das virtudes do outro, quando deveria ser o contrário.

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  8. Otimo conto, adorei e concordo plenamente...
    seria otimo se os homens continuassem os mesmos desde a primeira vez em que o conhecemos... Mais na verdade não é assim, todos mudam, por mais que digam que nao! mais mudam sim, é, que pena...Mais mesmo assim nós mulheres continuamos amando...

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  9. Ai que conto triste e lindo ao mesmo tempo... ^^
    Eu tenho medo de quando casar meu marido ficar assim....
    Concordo com Layse, todos mudamos... Tem épocas que eu fico vê o outro homem... Só que no caso eu sou outra mulher... O.o
    Estranho...

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  10. Sabe gentii, os maridos sempre reclamam desse conto, ficam ofendidos,não se identificam, mas com a crônica de Verissimo "Bom Marido" dão boas gargalhadas, vê se pode?! A autora Margarete tem também um outro conto no qual ela inverte as piadinhas que se fazem com as sogras. Leiam seu Conto "Sogras" deve estar postado nos arquivos deste blog.

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  11. Oi, gentiii Fashion desse bloguinho, procurei o conto "Sogras" para botar o link dele aqui, mas não achei. Bom, o conto é muito divertido e faz parte do Livro Ninguém é Feliz sem Problemas da autora Margarete, acho que seria interessante postá-lo aqui no blog pra quem quiser ler. Que tal minha ideia?!

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  12. Pois é, Sr Jorge, nós mulheres pensamos do mesmo modo que o senhor pensa, só que invertendo as obras, ou seja, achamos que o “Conto o Homem” é pra divertir a mulherada, e que a caricatura dos maridos ficou bem legal. Já na crônica “Bom marido” a caricatura que Veríssimo faz das mulheres, achamos que não é pra tanto. (hahaha) Que acham meninas, quem concorda com minha opinião?

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  13. Eu também concordo. A opinião das mulheres está mais parecida com a verdade sobre os homens.

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