conto de Margarete Solange
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Antigamente, especialmente para as mulheres, o casamento era uma questão de honra. Algo assim como obter uma formatura. Não casar trazia vergonha para a interessada e para toda a família. A moça que não casava tornava-se motivo de inúmeras chacotas, era chamada de solteirona ou, ainda pior, ficava para titia, no caritó.
Felizmente, na pós-modernidade, casar
já não é obrigatório, é facultativo, ou seja, casa quem quer. Todavia, tem coisa
que foge à lógica. Por exemplo, no trabalho, quando dizem que é um dia
facultativo, ninguém vai, mas mesmo o casamento sendo facultativo, todo mundo
quer casar, principalmente as mulheres. Os homens, de maneira geral, não têm
tanta pressa.
Pode-se dizer que, ao
casar-se, a mulher passa a ter acúmulo
de cargos e funções, porque torna-se esposa, dona de casa, depois mãe,
patroa, dona de gato, de cachorro, de papagaio, de periquito, além de tornar-se
responsável, direta ou indiretamente, pela supervisão da atuação de baratas,
pulgas, muriçocas e carrapatos.
A solteira
pode viajar pelo mundo afora, se quiser, desde que tenha coragem e dinheiro,
claro! E se não tiver gato ou cachorro, porque se tiver, é quase casada também.
Quanto aos sobrinhos, não tem problema algum, porque estes acabam sendo
devolvidos para as mães, se choram, urinam ou sujam as fraldas de outra maneira.
Viram só?! Hoje em dia ser tia é uma
coisa boa. Quer dizer, quase boa, porque, diante do sobrinho, a tia não tem
muita escolha. Tem que estar à disposição para tudo, ou quase tudo. Ainda
assim, mesmo com toda a tecnologia e modernidade, algumas mulheres preferem ser
mães a ser tias.
Por
algumas razões, às vezes é bem melhor ser tia do que ser mãe. A tia é mais disponível,
tem emprego melhor, tem mais amigos, passeia mais e é mais livre para falar
sobre qualquer assunto. Algumas mães acham que não podem conversar sobre certos
temas, geralmente estão atarefadas e, à noite, algumas, para relaxar, assistem
novelas. Assistir novela toma tempo... O tempo de passear, de conversar com
amigos, e as tias sabem disso.
As tias se preocupam mais em
arrumar-se, têm carro e dinheiro para ir ao shopping
com as amigas e, por vezes, com os sobrinhos. Ser tia tem mais vantagens;
contudo, em alguns momentos, os privilégios recaem mesmo é sobre a mãe. Por
exemplo, não se comemora o dia nacional das tias. Além disso, se a criança faz
uma pergunta sobre um assunto considerado delicado, a mãe simplesmente arranja
uma desculpa e se isenta de responder. Se a criança insiste, ela se zanga e até
faz ameaças. A tia não pode agir desse modo, tem que dar um jeito, porque ser
tia é uma espécie de profissão. Se porventura a criança satura a mãe com
diversas perguntas, desejando saber significados e porquês, a tia, querendo ou
não, acaba entrando na história. Aí, ela, que não é boba nem nada, pede ajuda
ao dicionário. É exatamente para isso que eles existem: para tirar dúvida,
certo? Nem sempre!
O dicionário, como toda pessoa, tem
suas virtudes e seus defeitos. Eles às vezes falam pouco ou não falam nada
sobre aquilo que desejamos saber. Por exemplo, se é dito “as mulheres são
avassaladoras”, e alguém não entendeu o que foi dito, vai ao dicionário. Ao
invés desse nome, lá encontra a palavra “avassalador” com a seguinte definição:
“que avassala”. Daí, a pobre criatura que não conhece a palavra fica na mesma.
Isso acontece com muitas outras palavras. Para destrincharmos o significado de
algumas, temos que ser insistentes e fazer um caminho bem logo até finalmente
encontrar algo que realmente seja esclarecedor. O fato é que, ajudando ou atrapalhando,
o dicionário está sempre presente nas nossas vidas. Portanto, examine-o bem
antes de comprar. Existem aqueles que são muito bons, mas esses geralmente são
os mais raros e os mais caros.
Uma coisa é certa: as tias terão a
eterna obrigação de consultar o dicionário, para explicar aos sobrinhos um montão
de coisas que eles não compreendem sozinhos. E isso pode ser em qualquer dia e
a qualquer hora, porque a tia não tem horário fixo, não tem folga nem feriado,
especialmente se ela e os sobrinhos moram debaixo do mesmo teto.
E por
falar em sobrinhos, tenho vários. Todos são fofos: inteligentes e lindos! E o melhor
de tudo é que já não sujam as fraldas. Mas ainda assim, mesmo crescidinhos, há
sempre aqueles que estão por perto, desejando usar as tias para descobrir o
significado daquilo que a mãe não quis esclarecer. E como já falei, o
dicionário é como gente: às vezes ajuda, outras, atrapalha.
Agora veja
lá essa que me aconteceu. Eu desfrutava prazerosamente um feriado prolongado,
no qual estava feliz e realizada, simplesmente escondida atrás dum livro e mergulhada
numa história que alguém criou, quando de repente, totalmente de repente, surge
do meu lado uma voz infantil trazendo uma questão delicada que, com certeza,
alguém antes de mim não quis responder.
Sem que
percebesse, o feriado lamentavelmente chegou ao seu final. Sinceramente, não me
agrada de modo algum aquele provérbio que diz “tudo que é bom dura pouco”. Decididamente,
esse dito não deve constar em nossa cartilha.
O meu
curioso sobrinho se aproximou e, sem se anunciar, assustou-me com sua presença
e com a seguinte questão:
– Tia, me
explique o que é orgasmo...
Bom, como
já falei, essa coisa de olhar no dicionário o significado das palavras nem
sempre dá certo. Às vezes, torna a coisa até mais complicada. Mas, tomando como
base um trechinho do dicionário, a parte que diz “é o grau máximo de
excitação”, dá para completar o resto com nossas próprias palavras.
Tratei de
dizer para aquela criaturinha que “grau máximo de excitação” é uma coisa que
traz uma sensação muito boa. Em seguida, expliquei-lhe que tive um grau máximo
de excitação naquele feriadão de quatro dias, já que usei meu tempo inteirinho
para fazer um montão de coisas que eram do meu próprio interesse – e isso, como
dizem os adolescentes: “foi D+!!!!”
A família
toda resolveu ir para a praia passar nada menos que quatro dias por lá. Como
vivemos num mundo no qual roubar é até uma profissão, e os roubadores, principalmente
num feriado prolongado, levam muito a sério o seu trabalho, alguém tem que
ficar como vigia da própria casa. Eu prontamente me ofereci para isso. Fiquei
porque sabia que dessa forma me pouparia de estresse e trabalho.
Todos
partiram alegres e barulhentos. Eu não via a hora de dizer “divirtam-se,
amores!” Sequer me preocupei em fazer cara de pesares porque tinha sido a
sorteada para ficar. Quando se foram, comemorei. Enfim, sós!
Ai que
alívio! Que “grau máximo de excitação” saber que tinha quatro dias para ser eu
mesma, no silêncio de uma casa inteirinha só para mim, para eu fazer as coisas
de que gostava sem ter que cumprir nenhuma obrigação.
Foi lindo!
Pude ler e estudar à vontade, sem pedir silêncio, sem ter que interromper para
cumprir horários, sem campainha nem telefone tocando. Além disso, eu só precisava
sair da toca duas vezes por dia, para alimentar os meus cachorros com uma
comidinha pronta, a qual não tinha sequer que esquentar. À noite, dedicava um
pouco de tempo para esses meus amigos, que saltavam de alegria logo que eu me aproximava.
Tenho
percebido que, para os cães de estimação, o lazer é mais importante que o
alimento. Eles adoram a companhia de seu dono, seja para conversar, reclamar,
gritar ou ficar apenas ao seu lado, sem dizer absolutamente NADA. Os cachorros amam
simplesmente, e não há nesse amor nenhum jogo de interesses. Nada cobram,
tampouco ficam cheios de queixas sobre o que seu dono faz ou deixa de
fazer.
– Nossa!
Eles não são o máximo?!
Imagino
que toda pessoa que já provou do amor incondicional de um cachorro, sente falta
de tal devoção em seu dia a dia, até mesmo por parte daqueles que
costumeiramente são considerados melhores amigos.
Toda
mulher, seja mãe ou tia, precisa de mimos e de um tempinho de folga para cuidar
de si. Quando estão felizes, elas conseguem ser pessoas meigas, como no íntimo
elas realmente o são. Com base em minhas experiências de anos e anos de vida,
como confidente e representante de uma multidão de mulheres insatisfeitas –
donas de casas, esposas, mães, sogras, donas de cachorros e gatos, entre tantas
outras – digo que um período de folga total assim é a melhor definição para a
tal “excitação máxima” para a classe feminina. Especialmente para aquelas que são
intelectuais e vivem do estudo e da leitura.
Todavia,
esse grau de excitação máxima varia de pessoa para pessoa, isso vai depender da
necessidade e do passatempo favorito de cada um. Existem aqueles que não
precisam de silêncio, tampouco solidão. Nesse caso, o prazer desses é estar em
lugares festivos, barulhentos, com muita gente e agitação.
Mas
atenção, o prazer feminino varia de mulher para mulher, dependendo do ponto “G”
de cada uma delas, ou seja, daquilo que elas realmente ‘G’ostam mais. Dessa forma,
para algumas, o grau máximo de excitação significa ir às compras, ir à praia
com os amigos, dirigir em alta velocidade xingando os marmanjos que fazem
imprudências no trânsito, ou simplesmente ler um bom livro enquanto alguém está
fazendo a faxina da casa no lugar dela.
– Pois é, orgasmo é isso! Compreendeu, querido sobrinho?
.Margarete Solange,Contos Reunidos,
Sarau das Letras,2014, p. 186-190