Conto de Margarete Solange
.
Final do século XXI. Era da
invenção do CD voador como meio de transporte mais rápido e mais seguro.
E também do atomolar, um telefone celular tão pequeno que pode ser
transportado dentro da orelha, como se fosse um aparelho de surdez.
Na varanda de um
apartamento, de onde é possível apreciar belas praias que tornam magnífica a
vista de uma agradável cidade brasileira, um garotinho requer a atenção da avó
que, até então, lia uma revista. Apesar de ser uma senhora moderna, dona
Carminha ainda preferia a leitura de livros e revistas impressos no papel, mas
nem por isso desprezava a leitura eletrônica. Para ela, o avanço tecnológico
era muito bem-vindo, mas em alguns pontos, tendia a preferir o tradicional.
– Vovó...
– iniciou a criança, que não deveria ter mais que uns sete anos. – vovó outra,
a mãe da senhora, me falou que não devemos botar os cotovelos na mesa durante
as refeições. Eu perguntei por quê. Aí, ela disse que era porque sim...
– Ah,
filho, minha mãe é muito apegada aos costumes antigos, e essa coisa de não colocar
os cotovelos sobre a mesa é uma longa história...
– Mas eu
quero saber... E ninguém até aqui quer me dizer. Já reparei que só as pessoas
de cabelo branco não botam os cotovelos na mesa, mas os jovens nem ligam pra
isso.
A jovem
avó suspirou, deixou de lado a revista que lia e pôs-se a contar a história que
sabia. A narrativa foi mais ou menos assim:
Há muito tempo atrás, muito tempo mesmo, quando ainda existiam reis, rainhas, príncipes e princesas, uma rainha, sem paciência com seus filhos, consultava uma velha má para saber como deveria corrigir seus pequenos, a fim de que fossem SEMPRE silenciosos e JAMAIS lhe desobedecessem.
A rainha era muito irritadiça, e castigava os filhos por qualquer motivo, principalmente o primogênito, que era um menino, e que, segundo ela, dava mais trabalho do que suas seis filhas juntas. Ela lhe dava todo tipo de castigo, a fim de mantê-lo comportado. Até que um dia, como a velha malvada não tivesse mais nenhuma novidade em conselhos para lhe dar, disse-lhe que o proibisse de apoiar os cotovelos sobre a mesa durante as refeições. Assim, sempre que o enérgico menino desobedecia, os seus cotovelos eram castigados até ficarem terrivelmente doloridos.
A partir de então, o principezinho, que era alegre e brincalhão, tornou-se sorumbático e rancoroso. Quando cresceu e tornou-se rei, estabeleceu um decreto que mandava matar qualquer pessoa que, durante os seus banquetes, apoiasse os cotovelos sobre a mesa. Assim, todas as pessoas do seu reino, temendo ser mortas, tratavam de ser cuidadosas. Alguns, enquanto comiam, utilizavam cautelosamente uma das mãos e mantinham a outra sobre o colo, de forma que o braço ocioso ficasse tão forçadamente estático junto ao corpo, que até parecia ter sido morto por uma trombose. Observar a postura de tais pessoas suscitava o riso; mas rir, durante as refeições à mesa desse monarca, era igualmente proibido.
Com o tempo, esse costume foi passando de geração a geração, até que se espalhou por muitos outros lugares, tornando-se parte das etiquetas de boa educação. Cotovelos apoiados sobre a mesa? Nem pensar!...
Há muito tempo atrás, muito tempo mesmo, quando ainda existiam reis, rainhas, príncipes e princesas, uma rainha, sem paciência com seus filhos, consultava uma velha má para saber como deveria corrigir seus pequenos, a fim de que fossem SEMPRE silenciosos e JAMAIS lhe desobedecessem.
A rainha era muito irritadiça, e castigava os filhos por qualquer motivo, principalmente o primogênito, que era um menino, e que, segundo ela, dava mais trabalho do que suas seis filhas juntas. Ela lhe dava todo tipo de castigo, a fim de mantê-lo comportado. Até que um dia, como a velha malvada não tivesse mais nenhuma novidade em conselhos para lhe dar, disse-lhe que o proibisse de apoiar os cotovelos sobre a mesa durante as refeições. Assim, sempre que o enérgico menino desobedecia, os seus cotovelos eram castigados até ficarem terrivelmente doloridos.
A partir de então, o principezinho, que era alegre e brincalhão, tornou-se sorumbático e rancoroso. Quando cresceu e tornou-se rei, estabeleceu um decreto que mandava matar qualquer pessoa que, durante os seus banquetes, apoiasse os cotovelos sobre a mesa. Assim, todas as pessoas do seu reino, temendo ser mortas, tratavam de ser cuidadosas. Alguns, enquanto comiam, utilizavam cautelosamente uma das mãos e mantinham a outra sobre o colo, de forma que o braço ocioso ficasse tão forçadamente estático junto ao corpo, que até parecia ter sido morto por uma trombose. Observar a postura de tais pessoas suscitava o riso; mas rir, durante as refeições à mesa desse monarca, era igualmente proibido.
Com o tempo, esse costume foi passando de geração a geração, até que se espalhou por muitos outros lugares, tornando-se parte das etiquetas de boa educação. Cotovelos apoiados sobre a mesa? Nem pensar!...
Isso durou
muito tempo, até que, no final do século XX, a princesa de Lamonoc – quem sabe
até descendente do rei frustrado que inventara essa besteira – resolveu não se
importar com essas convenções. Ora, o cotovelo era dela, e ela decidiu
colocá-lo onde bem quisesse. Isso foi da conta de todo mundo, um escândalo! Depois,
foi a vez do príncipe de Lagrantierra escandalizar gregos e troianos,
confessando aos repórteres que também era adepto de tal costume.
Logo que as
pessoas se acostumaram com as infrações da realeza, pararam para pensar, e se
perguntavam: “Afinal, que mal há em colocar os cotovelos sobre a mesa? Quem inventou
essa lei?” Uns aos outros se perguntavam, mas ninguém sabia quando nem onde
essa besteira começou.
Nessa
época, surgiram polêmicas entre as pessoas. Debates e mais debates em programas
de televisão. Inúmeros livros e pesquisas foram publicados sobre o assunto. Por
fim, os pesquisadores chegaram à seguinte conclusão: já que inventaram
liberdade de expressão do pensamento e de tantas outras coisas mais, por que
não declarar a liberdade de usar os cotovelos como bem entender?
Finalmente,
foi aprovada a lei que assegurava, aos cotovelos, o direito de se apoiarem onde
bem quisessem. Contudo, a geração mais antiga não conseguiu ainda se acostumar
com os tempos modernos; passa mal ao vê alguém usando os seus pares de
cotovelos para apoiarem as mãos que sustentam as caras sorridentes dos que,
muito à vontade, conversam com amigos durante as refeições.
Alguns
restaurantes ainda mantêm lugares reservados para aqueles que não se misturam
com os adeptos da liberdade de cotovelo. Mas, segundo as estatísticas dos
estudiosos do assunto, quando morrer a última pessoa dessa geração presente,
esse tema fará parte do passado, e os cotovelos serão livres para sempre dessa
maldição.
Tão logo
encerrou a narrativa sobre “a lenda do cotovelo”, a jovem avó encaminhou-se ao terraço
panorâmico no ducentésimo andar do prédio; e, enquanto o netinho brincava com seu
brinquedo eletrônico hiper-ultra-moderno,
pôs-se a matutar consigo mesma, observando as luzes dos CDs voadores ao longe.
Interessante
como certos costumes são acatados pelas pessoas. Algumas nem entendem o sentido
da coisa, mas aderem, simplesmente porque outros já aderiram, ou porque está no
auge da moda, e todos fazem ou deixam de fazer. A maioria das pessoas não pensa
por si mesma, e deixa-se aprisionar por certas convenções, sem qualquer
questionamento. São poucos, na verdade, os que buscam o porquê das coisas.
– “CDs” voadores! – exclamou a mulher, falando consigo mesma. – Coisas de gente prática e moderna. E pensar que ainda existem pessoas que preferem se arriscar andando de automóveis!
– “CDs” voadores! – exclamou a mulher, falando consigo mesma. – Coisas de gente prática e moderna. E pensar que ainda existem pessoas que preferem se arriscar andando de automóveis!
Fonte: Margarete Solange,
Mais Belo que o Pôr-do-Sol e outros contos.
Santos Editora: 2000.
Quando eu penso que já li de tudo da autora,lá mse vem uma surpresa.Nunca pude imaginar o motivo de não poder se colocar o cotovelo na mesa,vou levar essa lenda adiante,acho que é pura verdade.Sempre achei uma besteira essa história.
ResponderExcluirParabéns por saber me responder essa curiosidade.
Pois é Nadjane, esse negócio de não poder colocar os cotovelos na mesa é uma besteira. Valeu autora,gostei.
ResponderExcluirTambém acho, Maria, uma grande besteirada. Uma coisa muito mal inventada certas etiquetas. Adorei o conto zombar de uma questão como essa.
ResponderExcluirTodas as pessoas que gostam de etiqueta besta deveriam ler esse conto. Ora, pra que inventar essa besteira de não poder colocar os cotovelos sobre a mesa? Ainda bem que esse conto liberta todos os cotovelos dessa condenação.
ResponderExcluirConto bem bolado. E quem sabe se de verdade essa etiqueta até não surgiu de algo parecido com a narrativa desse conto. Na vida e na arte tudo pode acontecer.
ResponderExcluir