.
Conto de Margarete Solange
.
Casei aos dezoito anos. O
meu marido tinha quase a minha idade, ou seja, era tão jovem quanto eu. Não era
um rapaz de muitas condições, por isso fomos morar numa casa distante do centro
da cidade, num bairro muito tranquilo, onde às nove horas da noite quase todas
as pessoas haviam se recolhido, e as luzes das casas estavam apagadas. Percebi
imediatamente que iria estranhar um pouco minha nova vida e morada, uma vez que
minha família era muito numerosa; consequentemente, a casa de meus pais era
barulhenta. Dormíamos sempre muito tarde. Outra coisa que sabia que estranharia
era com respeito à segurança. O meu pai era extremamente cuidadoso, e nossa
casa era protegida por gradilhos de ferro em todas as portas e janelas. Nosso
muro, muito alto, era ainda guardado por dois cães, grandes e ferozes. Os
portões eram fechados por cadeados enormes, e isso nos dava uma sensação de
muita segurança.
Logo que visitou a casa
onde passaríamos a morar depois que nos casássemos, o meu cuidadoso pai
recomendou que tratássemos de colocar gradilhos em todas as portas e janelas.
Eu bem que gostaria que esses gradilhos tivessem sido colocados antes mesmo de
nos mudarmos para lá, mas isso não foi possível.
Como o lugar era muito
tranquilo e nossa casa mais parecia uma casa de campo, decidimos que iríamos
para lá tão logo findasse a nossa festa de casamento. Dessa forma, poderíamos
economizar o dinheiro da viagem e investir em outras prioridades.
Era a terceira noite de
nossa lua de mel. Estávamos recolhidos, dormindo abraçados, em nosso leito,
quando comecei a ouvir um barulho que vinha da sala. Pareceu-me passos leves,
cuidadosos: silenciou repentinamente. Sentei-me na cama e fiquei atenta. Apesar
de ser muito medrosa, teria levantado para fechar a porta do quarto se o quarto
tivesse porta, mas não tinha ainda. Não demorou muito, e ouvi mais alguma
coisa, o suficiente para concluir que o ladrão estava muito à vontade, vindo da
sala em direção à cozinha, sem nenhuma preocupação em ser cauteloso. Assim, eu
podia perfeitamente ouvi-lo vez por outra. Está se revelando de propósito, deduzi.
Não havia vizinhos bem
perto, por quem pudesse chamar, aliás, nem conhecia ainda os poucos moradores
daquele pacato lugar.
Na semana que estávamos
fazendo nossa mudança, uma vizinha veio nos dar as boas-vindas e tratou de nos
prevenir que tivéssemos cuidado, pois havia alguns ladrõezinhos pelos
arredores, sempre prontos a invadir os quintais para levar roupas, frutas ou
qualquer coisa que achassem à vista. Entretanto, eu nem sequer sabia em qual
das casas próximas morava a gentil senhora. Além do mais, como iria pedir ajuda
numa situação como essa? Deveria gritar no meio da noite, pedindo socorro, se o
ladrão já havia entrado e bem poderia estar armado?
Não deveria ser muito
tarde. Eu achava que os minutos passavam lentos demais, enquanto os
pensamentos, em minha mente apavorada, multiplicavam-se abundantemente.
Walter despertou.
Rapidamente, pus o dedo indicador sobre os lábios, fazendo-lhe sinal de que ficasse
em silêncio. Logo
ouviu o barulho que vinha da cozinha, então pôde ler em minha apavorada face o
que estava acontecendo. O quarto não estava escuro porque havia, ao lado de
nossa casa um poste que iluminava a rua, e nossas janelas tinham quadradinhos
de vidro que deixavam penetrar um pouco de luz.
O ladrão parecia querer
mesmo nos matar de medo, torturando-nos lentamente. Mexia numa coisa, noutra,
dava um tapa na geladeira, assim como que com propósito de nos assustar.
Fazia-nos ouvi-lo aproximando-se do corredor que levava até o quarto onde
estávamos, aliás, o único da pequena casa. Desistia, voltando novamente para a
cozinha. Estava se divertindo à nossa custa, eu pensava, em pânico. – Por que
não aparece logo e acaba com essa espera?
O cretino parecia muito
seguro de si, deveria saber que éramos dois jovens inexperientes,
recém-casados, morando naquela casinha solitária, quase sem vizinhos pelos
arredores; deveria estar certo de que não éramos capazes de fazer-lhe nenhum mal.
Minha preocupação era
saber o que pretendia fazer conosco. Pegasse o que lhe interessava, o que fosse
de valor para ele e fosse embora, saindo por onde entrara. Mas não, lá estava
ele, fazendo ruídos de propósito. Arrepiava-me pensando quais deveriam ser suas
reais intenções. Ora, se fazia questão de que soubéssemos que estava passeando
sem cerimônias dentro de nossa casa, era porque deveria ter algum plano terrível...
Estávamos para lá de
apavorados. Vez por outra, ao ouvirmos os movimentos do ladrão, olhávamos um
para o outro com olhos arregalados; porém, a maior parte do tempo,
permanecíamos de olhos vidrados em direção ao portal, esperando vê-lo surgir na
penumbra. Semideitados sobre a cama, mantínhamos nossas cabeças encostadas uma
na outra, e não ousávamos falar nada, com receio de que nosso torturador nos ouvisse.
Não posso calcular quanto tempo durou
nossa agonia, sei que o medo era gigante e que nossos ouvidos tornaram-se tão
aguçados, naquele momento de pânico, que ouvíamos os mais leves rumores feitos
pelo nosso inimigo até então invisível. Cheguei a formar, mentalmente, todo o seu
perfil: imaginei que seria baixo, um pouco gordo, musculoso, e que tinha o olhar
malvado de um psicopata assassino.
Só havia uma coisa que
podia fazer naquela hora, e foi o que fiz: enviei silenciosamente uma prece
desesperada ao céu. Eu nem conseguia formular direito minha oração, por isso
repetia as mesmas palavras que nada mais eram do que um pedido de socorro. O meu
coração batia tão acelerado que acreditava que Walter pudesse ouvi-lo.
Finalmente, o inimigo decidiu apressar-se, vindo
ao nosso encontro. Ao bater na parede da entrada do quarto, gritei,
agarrando-me apavorada às costas do meu marido... Numa manobra mal feita, bateu
na parede da curva que ligava o quarto ao banheiro, e caiu; mas, rapidamente,
levantou voo e conseguiu chegar ao banheiro, onde foi impiedosamente assassinada
por meu marido. “Ruim de manobra desse jeito, só podia ser uma mulher”, comentou
o gordinho fazendo-se de engraçado dentro de seu pijama folgado, segurando o chinelo,
a arma do crime, em uma das mãos.
O indiscreto ladrão que
roubou a paz e a tranquilidade de nossa terceira noite de núpcias era uma ladra.
Uma borboleta grande e preta que, desorientada, batia no chão e nas paredes de
nossa pequena casa, tentando encontrar alguma saída.
Walter e eu nos
divertimos contando esse episódio aos amigos, mas no exato momento em que ele
acontecia, a coisa era diferente. O ladrão jamais existiu, é verdade, porém o medo
que se apoderava de nós naquela noite, era real. Acredito que poderia muito bem
ter levado um cardíaco a repousar na tumba fria.
* * *
Fonte: Margarete Solange.
Mais Belo que o Pôr-do-Sol e outros contos.
Santos Editora, 2000.
.
Eu é q/ já estava quase tendo um infarto de curiosidade e medo,bem que minha avó dizia q/ a curiosidade mata.Eu estou aqui imaginando o q/ esse casal passou,eu estou com o coração batendo bem mais rápido,imagine esses dois.Este final me deixou feliz e ao mesmo tempo com raiva,bem que o ladrão poderia ser de verdade e o marido fortão prenderia e o entregava a polícia.Já pensou nesta mulher?sairia contando pra todo mundo a valentia do seu esposo.
ResponderExcluirBelo conto.
Na primeira vez que eu li esse conto tbm fikei com o coração na mão, quando agente começa a ler e imagina as cenas parece que agente tá lá vivendo a situação. É suspense mesmo, muito massa. Já aconteceu uma coisinha parecida comigo, não foi bem assustador como esse, mas bem parecido. Eu era pequena e morria de medo de ficar acordada sozinha de noite, ai na janela tinha um negocio que batia, quase morri pensando q era a mão de alguém, mas depois quando foi amanhecendo vi que era a folha do pé de bananeira q ficava perto da janela kkkkkk. Otimo conto!
ResponderExcluirPois é Rafaela, são essas coisas assim como uma bananeira batendo na janela ou uma borboleta batendo nas paredes que um escritor dá um toque aqui, uma aumentada ali, faz todo um suspense em volta da coisa e transforma nessas histórias que você gostam de ler.
ResponderExcluirFazia muito tempo que não lia esse conto. Quando li pela primeira vez fiquei com pena, achando que o casal ia morrer de tanto medo. Parecia uma coisa muito real, todos em pânico e eu também. Aí depois eu ri que chorei, já pensou? rsrsrs É uma história interessante. Mas já pensou se o ladrão fosse de verdade... tinha matado todo mundo ou de medo ou matado de verdade. No fim fica tudo muito engraçado.
ResponderExcluirLegal!
ResponderExcluirÉ isso ai Marina, ainda bem que tem escritores assim com Margarete para transformar esses momentos em histórias bem interessantes.
ResponderExcluirO.O
ResponderExcluir